quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Crônica Reflexiva

O grande sofisma

Não sou responsável pelas minhas insuficiências. Se minha corrente vital é acaso

interrompida e foge de seu leito; se meu ser muitas vezes se desprende de seus suportes e se

perde no vazio; se é frágil a minha composição orgânica e tênues os meus impulsos - culpo

disso os meus pais, a sociedade, o regime, os colégios; culpo as mulheres difíceis, os

governos, as privações anteriores; culpo os antepassados em geral, o mau clima da minha

cidade, a sífilis que veio nas naus descobridoras, a água salobra, as portas que se me

fecharam e os muitos "sins" que esperei e me foram negados; culpo os jesuítas e o vento

sudoeste; culpo a Pedro Álvares Cabral e a Getúlio; culpo o excesso de proibições, a

escassez de iodo, as viagens que não fiz, os encontros que não tive, os amigos que me

faltaram e as mulheres que não me quiseram; culpo a D. João VI e ao Papa; culpo a má-

vontade e a incompreensão geral. A todos e a tudo eu culpo.

Só não culpo a mim mesmo que sou inocente. E ao Acaso, que é irresponsável...

Anibal Machado

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